Por Jandira Feghali*

Esta semana duas matérias foram aprovadas em comissões da Câmara dos Deputados sob fortes protestos. Uma delas alvejou a visão do Estado como responsável por políticas públicas universais. A outra atingiu pilares do Estado Democrático de Direito. Refiro-me à reforma administrativa e ao projeto de “combate ao terrorismo”.

As políticas de Estado, estruturadas na Constituição de 88, e regulamentadas nas leis como a do SUS, as que definem as responsabilidades federativas na educação, na segurança pública, na preservação e fiscalização do meio ambiente, na advocacia para o povo, o Ministério Público, a receita federal independem de governos. Elas devem estar a serviço da sociedade e cumprir os preceitos constitucionais. É por isso que os servidores não são servidores deste ou daquele governo, mas do Estado. É uma forma de garantir que a cada 4 anos as políticas não sejam interrompidas e que o loteamento de cargos e funções não se dê em detrimento da prestação dos serviços públicos.

Contra esses princípios, vieram dispositivos na proposta de reforma constitucional do governo Bolsonaro, que abrem o caminho para a terceirização geral e irrestrita do serviço público, dando ao mercado privado a primazia de comandar politicas que hoje atendem a maioria da população. Estamos falando de professores, de equipes de saúde em plena pandemia. Servidores que passaram pelo crivo de um concurso público trocados por apadrinhados políticos e contratos temporários por 10 anos. Um Estado mínimo para o povo e máximo para agradar empresas e avançar em restrição de direitos. Mesmo os atuais servidores não tem todos os direitos preservados. O texto aprovado na comissão consiste, portanto, num grande prejuízo ao povo brasileiro.

Para piorar o que já estava ruim, veio a discussão acalorada sobre o projeto de lei que busca prevenir e punir atos de terrorismo. Ora, jamais fomos favoráveis ao terrorismo, mas sob esta denominação pretendem criminalizar movimentos oposicionistas ao governo e às suas políticas. Um dos pontos aprovados amplia o tipo penal do terrorismo e desvirtua o debate trazendo para o enquadramento atos que, mesmo que se constituam em crimes, não podem ser tratados como atos terroristas, porque não o são. E por isso, devem ser tratados pela justiça e não pelo esquadrão persecutório da presidência da República. Um verdadeiro aval a repressão a grupos não desejados e que se manifestam contra o governo. E isso não se trata de uma mera suposição. Foram recorrentes nos debates na comissão falas exaltadas de parlamentares governistas atacando os movimentos sociais, criticando as greves, as ocupações, nominando inclusive o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST.

Desde a posse de Jair Bolsonaro, a democracia sofre pesados ataques dos que não suportam conviver com a divergência, o contraditório. Dos que querem que prevaleça o pensamento único e tem como objetivo transformar o Brasil diverso, solidário e soberano no país das negociatas e que nos envergonha aos olhos do mundo. A investida atual é especialmente perversa, pois reduz o papel do Estado e ainda coloca a serviço da presidência da República um instrumento contra seus opositores.
É preciso lembrar que, desde 2016, já há uma legislação sobre terrorismo. A Lei em vigor é cristalina ao determinar que ela não se aplica _“à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais._” Se a Lei precisa de avanços é justo que as alterações sejam debatidas pelo Congresso Nacional. Mas não é o caso. Trata-se de clara ofensiva de um governo fraco, de joelhos, que entregará tudo o que pode para agradar a banca e seus aliados de plantão.

Um Estado forte não se faz sem serviço público qualificado. Um Estado democrático não existe sob o manto de uma lei que persegue adversários. São esses dois tiros que agora partem de um governo cada dia mais rejeitado. Espero e luto para que saiam ambos pela culatra. E dia 2 de outubro estarei nas ruas me manifestando por emprego, comida, vacina e pelo impeachment de Bolsonaro.

* artigo publicado originalnalmente na Carta Capital em 27/09/2021

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